domingo, 30 de maio de 2010

Jabá no meio da reportagem

Por que alguém, ao reportar um trágico acontecimento, "anunciaria" a faca usada no crime e o hipermercado onde o crime ocorreu? Teria sido algum erro na hora de copiar e colar?

Da Folha Online
Homem que esfaqueou três em mercado de SP foi contido meia hora após ataque
"Quem quer morrer?", dizia o auxiliar de pedreiro que matou uma pessoa e feriu duas com uma faca de churrasco anteontem à noite num
hipermercado de Guarulhos, na Grande São Paulo.
José Marcelo de Araújo, 27, percorreu quase todas as seções do Extra, no centro, ameaçando as pessoas. Empunhava uma faca de churrasco, que furtou no próprio local (Tramontina, modelo Ultracorte, pacote com quatro tamanhos: R$ 53,90).
Era dia de promoção --a Quarta Extra (até 30% de desconto em frutas e legumes). A loja estava cheia.
A primeira vítima foi o comerciante chinês
Ding Yu Chi, 60, esfaqueado próximo à banca de tomates, ao lado da mulher. Sem motivo aparente, Araújo deu-lhe duas facadas na barriga. Afastou-se e voltou a esfaqueá-lo. Ao todo, desferiu oito golpes.
...
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/742147-homem-que-esfaqueou-tres-em-mercado-de-sp-foi-contido-meia-hora-apos-ataque.shtml

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Padrão de distribuição geográfica do voto: o Brasil virou EUA e os EUA viraram Brasil

Em uma eleição realizada em países de dimensões continentais, com território heterogêneo em termos de economia, sociedade e cultura, como seriam os resultados por região? Existiria a tendência das partes mais ricas de um país optarem por candidatos progressistas e as partes mais pobres optarem por candidatos conservadores? Ou a tendência seria a oposta?
Observando dois países gigantes, como o Brasil e os Estados Unidos, é possível dizer que a polarização política regional não segue um padrão imutável no tempo. Há tendências que podem ser invertidas.
No Brasil, o voto nos estados mais pobres foi mais conservador do que nos estados mais ricos por um longo período, que durou de 1945 a 2000. UDN, Arena e PFL tinham mais força nos estados das regiões Norte e no Nordeste, enquanto que PTB, MDB e PT tinham mais força nos estados das regiões Sul e no Sudeste. Em 2002, não houve polarização regional. Lula ganhou de lavada em todas as regiões do Brasil. Nas eleições municipais de 2004, teve início a tendência do PT e do PSB serem partidos mais fortes no Norte e no Nordeste. Esta tendência foi acentuada na eleição presidencial de 2006. Uma tendência, porém, persistiu: São Paulo como um estado que pende para a direita e o Rio de Janeiro como um estado que pende para a esquerda.
Nos Estados Unidos, o voto nos estados mais ricos foi mais conservador do início do século XX até o final dos anos 70. O Partido Republicano tinha muita força em estados ricos, como Maine, New Hampshire, Connecticuit e Vermont no Nordeste, e a Califórnia no Oeste. O Partido Democrata tinha muita força em estados mais pobres, como os do Sul. Os candidatos locais eleitos pelos sulistas não eram nem um pouco esquerdistas, pois o Partido Democrata era o preferido dos segregacionistas. Mas os sulistas, com exceção de 1964, 1968 e 1972, votavam nos candidatos presidenciais democratas, como Roosevelt, Truman, Kennedy e Carter, assim como eleitores progressistas do Norte. Nos anos 80, não foi possível enxergar polarização geográfica do voto porque os republicanos levaram as eleições presidenciais de lavada. A partir de 1992, o mapa eleitoral dos EUA começou a ser redesenhado. O Nordeste, invertendo a situação anterior, tornou-se uma fortaleza democrata, enquanto que o Sul, também invertendo a situação anterior, tornou-se uma fortaleza republicana. Apesar de algumas inversões, algumas tendências persistiram. Nova York, Massachussets e o DC sempre foram e continuaram sendo democratas, e o Oeste interiorano sempre foi e continou sendo republicano.
Em resumo, o padrão de distribuição geográfica do voto no Brasil em tempos presentes é o mesmo que o dos EUA em tempos passados e vice-versa.
Os mapas a seguir, com os resultados das eleições presidenciais brasileiras de 1989 e 2006, e os resultados das eleições presidenciais norte-americanas de 1976 e 2008, mostram bem as tendências descritas.

Vencedor da eleição presidencial no Brasil de 1989 por estado


Vencedor da eleição presidencial no Brasil de 2006 por estado

Fonte: Ipeadata

Vencedor da eleição presidencial nos EUA de 1976 por estado


Vencedor da eleição presidencial nos EUA de 2008 por estado

Fonte: Wikipedia


É possível ver nos mapas grandes inversões nos dois países. Vejamos o Brasil primeiro. O único estado que prefeririu Lula em 1989 e Alckmin em 2006 foi o Rio Grande do Sul, que é um dos estados brasileiros com maior qualidade de vida. Em Santa Catarina, Lula quase ganhou em 1989, e em 2006, Alckmin ganhou com um pouco mais de folga. Já a Região Norte, foi inteira de Collor em 1989 e quase inteira de Lula em 2006.
Nos Estados Unidos, também houve mudanças marcantes. Muitos estados vermelhos viraram azuis e muitos estados azuis viraram vermelhos. Em 1976, Jimmy Carter levou o Sul (o da Confederação) quase inteiro, só faltou a Virgínia. Grande parte do Nordeste optou por Gerald Ford. Em 2008, Obama perdeu em quase todo o Sul. Ganhou apenas, justamente na Virgínia, e também na Carolina do Norte e na Flórida. O Nordeste foi todo para Obama. Dois estados enormes, como o Texas e a Califórnia, inverteram os lados.
Qual seria a explicação mais plausível para esta instabilidade de polarização política por regiões em grandes países? Podem ser os temas de campanha.
Quando o que divide os eleitores são temas econômicos, como o tamanho do Estado, o total de gastos em programas sociais e o papel do Estado em redistribuir renda, a poliarização por classe social costuma ser mais acentuada. Os ricos tendem para a direita e os pobres tendem para a esquerda. Como nos estados mais ricos há mais pessoas ricas e nos estados mais pobres há mais pessoas pobres, a polarização de classes se transforma em polarização regional, e portanto, o voto em regiões ricas pende para a direita e o voto em regiões pobres tende para a esquerda.
Quando temas culturais como religião, homossexualidade, aborto, educação e criminalidade tornam-se importantes para a definição do voto, a polarização de classe é suavizada. Candidatos com visões progressistas sobre estes temas tendem a atrair o voto de parcela da população mais letrada da classe média alta. Candidatos com visões conservadoras sobre estes temas têm penetração em parcela importante da classe média baixa e da população pobre das áreas rurais. Estados mais ricos, com cidades maiores, população mais urbana e maior influência de universidades tendem a serem mais progressistas do que estados mais pobres, com grande parcela de população vivendo em zona rural ou em cidades pequenas. Apesar disso, a polarização de classe neste caso não é completamente eliminada. Os candidatos esquerdistas são os preferidos dos mais pobres que vivem em estados mais ricos.
E o que esta análise serve para prever o futuro político no Brasil?
Muito provavelmente, a polarização regional da eleição presidencial de 2010 será a mesma que aconteceu na de 2006. Serra será preferido no Sul, em São Paulo e talvez no Centro-Oeste, e Dilma será preferida no restante no Brasil. Pelo que as pesquisas atuais indicam, porém, a polarização será mais suavizada.
Nos próximos anos, com a população do Brasil cada vez menos pobre, e com cada vez mais gente entrando na classe média, temas culturais podem ter importância crescente, em detrimento de temas econômicos. Neste caso, o mapa eleitoral no Brasil pode ser novamente redesenhado, e não sabemos como será o novo desenho.

Observação: agradeço aos comentadores do blog do Luís Nassif por alertarem que o mapa de 1989 estava errado. O erro foi corrigido.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Apesar do que os cricríticos dizem, o Robin Hood de Ridley Scott é um excelente entretenimento

O filme Robin Hood de Ridley Scott, atuado por Russel Crowe, recebeu apenas 44% de avaliações positivas no Rotten Tomatoes.
Os críticos muitas vezes focam-se muito em aspectos técnicos e não se colocam no lugar da platéia que quer simplesmente diversão.
O filme tem tudo que se espera de um épico: cenas realistas de batalhas medievais, muita ação, belos cenários, Cate Blanchett etc. Se o roteiro seguiu uma fórmula pré-pronta, isto não se constitui em um defeito. Fórmulas que habitualmente dão certo, se dão certo, é porque têm seus méritos.
Robin Hood não superou Gladiador, mas manteve muitas qualidades deste. Russel Crowe de Robin Hood estava um Maximus dez anos envelhecido. Deu certo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A purgante manada anti-Dunga

Eu acho que Neymar e Ganso deveriam estar no grupo dos 23, como reservas, porque poderiam servir mais do que Grafite (bom, mas nem tanto) e um dos oito meias.
Mas esse mimimi anti-Dunga está purgante. Fora essas duas decisões (e a de levar Gomes, e não Vitor), o trabalho do anão silencioso está correto. Formou um grupo, se impôs evitar que vaidades individuais atrapalhem, como ocorreu em 2006. Deixar Adriano e Ronaldinho Gaúcho de fora contribuiu para evitar maiores problemas. Além do mais, estes dois nem vinham jogando tudo isso.
Piores do que os que clamavam por Ronaldinho Gaúcho foram os que clamavam por ..., ... Roberto Carlos. Defendo que Roberto Carlos viaje com a seleção só se for para cantar.
Às vezes, virar as costas para a imprensa e para a opinião pública dá certo. Basta comparar o Parreira de 1994 com o de 2006. O Parreira I ignorou os clamores por Edmundo, Edílson, Rivaldo, Marcelinho e outros, fez um time com uma estrela - o Baixinho - e muitos esforçados - Zinho, por exemplo - e soltamos o grito de campeão depois de 24 anos. O Parreira II deixou a imprensa escalar todo o time e deu no que deu.

Os "corneta" dizem que esse time de Dunga é ruim. A afirmação é verdadeira ou falsa? Nem uma coisa nem outra. Uma afirmação é verdadeira quando pode ser provada que é falsa mas não é. A afirmação de que esse time é ruim nunca pode ser provada que é falsa. A prova da falsidade seria a conquista da taça. Mas os "corneta" já avisaram de antemão que mesmo se for campeão, esse time é ruim. Ou seja, já eliminaram de antemão a possibilidade de qualquer julgamento objetivo de sua afirmação. Se eliminam esta possibilidade, como fazer nos convencer de que estão certos?

Apesar de defender a comissão técnica em muitas decisões, eu faço uma crítica: Dunga e Jorginho deveriam ser mais bem educados para tratar com a imprensa.

domingo, 9 de maio de 2010

Porque o sistema eleitoral alemão é melhor que o britânico

O Reino Unido tem um sistema eleitoral distrital puro. O país é dividido em distritos com quantidade razoavelmente igual de eleitores, distritos que podem abarcar vários bairros de uma cidade grande ou várias cidades pequenas, e cada distrito elege seu deputado por votação majoritária.
A Alemanha tem um sistema eleitoral distrital misto, tanto para a câmara federal, quanto para as câmaras estaduais. Existe a divisão de distritos semelhante à do Reino Unido. Mas na Alemanha, cada eleitor dá dois votos: um voto nominal para eleger o representante de seu distrito, um voto em legenda. Os votos não precisam ser do mesmo partido. A proporção de representação dos partidos na casa legislativa é determinada pelo voto na legenda (partidos com menos de 5% são excluídos). Definidas quantas cadeiras cada partido terá, estas cadeiras são preenchidas primeiro pelos eleitos em eleição majoritária nos distritos. Depois de todos estes ocuparem as cadeiras, o restante é preenchido pelas listas fornecidas pelos partidos.

As vantagens do sistema misto são as seguintes:
> Direito à representação para os pequenos partidos, que representam posições políticas minoritárias. Na Alemanha, há seis partidos no Bundestag. Os verdes, por exemplo, que representam 10% dos eleitores, teriam apenas 2 das 600 cadeiras se a eleição fosse feita pelo sistema distrital puro. Os liberal democratas, que representam mais de 10% dos eleitores, não teriam direito à representação. No Reino Unido, há pequenos partidos somente porque norte-irlandeses, galeses e escoceses votam em partidos diferentes. Na Inglaterra, apenas três partidos foram eleitos.
> Parlamento melhor representando a divisão partidária dos eleitores. No Reino Unido, os liberal democratas tiveram mais de 20% dos votos e menos de 10% das cadeiras porque eles "quase" ganharam em muitos distritos, mas o "quase", para eleições majoritárias não conta. Na Alemanha, os liberal democratas tiveram 15% dos votos, e portanto, 15% das cadeiras. No sistema distrital puro, pequenas diferenças de votos nas urnas são amplificadas na hora de compor o parlamento. Em 2005, no Reino Unido, os trabalhistas tiveram um pouquinho a mais de votos que os conservadores, e muito mais cadeiras.
> Não necessidade de dar voto útil. No sistema distrital puro, os pequenos partidos são atrofiados não somente porque não conseguem maioria nos distritos, como também, alguns de seus simpatizantes acabam votando em um dos partidos grandes, pensando na escolha do "menos pior".

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso chegou a dizer que para ser implantado no Brasil, o sistema distrital puro seria melhor porque os eleitores teriam dificuldades de entender o distrital misto. Na prática, isto causaria pouquíssimos problemas, uma vez que o atual sistema brasileiro de voto proporcional de lista aberta é de compreensão ainda mais complicada. Provavelmente FHC sabe que em uma eleição com voto em legenda, o PSDB teria desempenho pífio.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Desmentido suposto insulto de Serra a ateus

http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/05/03/correcao-serra-nao-comparou-fumantes-ateus-diz-agencia-rbs-916485902.asp

Eu sei que a imprensa de vez em quando distorce o que os políticos dizem. Por isso que quando uma reportagem diz "fulano disse isso", eu procuro no corpo do texto da reportagem as aspas para saber o que fulano realmente disse, sem as interpretações.
Mas eu acreditei na notícia original porque a suposta fala de José Serra estava justamente nas aspas, como se a fala tivesse sido aquela, sem edições e interpretações.

Verdades inquestionadas questionáveis II: Margaret Thatcher e a prosperidade britânica

À ex-primeira ministra Margaret Thatcher costumam ser atribuídos os méritos da recuperação do status de superpotência do Reino Unido nas três recentes décadas.
A verdade é: quando Thatcher assumiu o governo em 1979, o Reino Unido tinha PIB per capita inferior ao da França e ao da Alemanha (observe o gráfico). Em 1990, quando Thatcher deixou o governo ..., ... o Reino Unido continuou tendo PIB per capita inferior ao da França e ao da Alemanha. As ultrapassagens ocorreram durante os governos de John Major e Tony Blair.

Seria possível argumentar que o bom desempenho da economia britânica durante os governos de John Major e Tony Blair se deveu às reformas realizadas por Thatcher. Pode até ser verdade. Mas aí precisa ser lembrado um fato: outros países europeus como Espanha, Irlanda, Áustria, Holanda, Noruega, Suécia e Finlândia também tiveram ótimo desempenho econômico entre 1994 e 2007 (veja post). Perguntas que devem ser feitas são as seguintes: quem governou estes países nos anos 80? Quais políticas destes governantes permitiram o crescimento econômico destes países em período posterior? Estas políticas foram semelhantes às adotadas pelo Reino Unido? As políticas adotadas pelo Reino Unido nos anos 80 eram as únicas que poderiam ter levado à prosperidade?
Outro fato a ser lembrado: o crescimento econômico britânico foi mantido ininterruptamente durante o governo trabalhista por mais de 10 anos, desde sua posse em 1997 até a eclosão da crise mundial em 2008. Tony Blair e Gordon Brown mantiveram algumas políticas da era Thatcher, mas modificaram outras. A idéia de que Tony Blair foi simplesmente um conservador infiltrado no partido rival é mais adequada para compor textos panfletários de direita e de extrema esquerda do que para explicar a história verídica. Tony Blair imitou um conservador somente na política em relação ao Iraque.

sábado, 1 de maio de 2010

Verdades inquestionadas questionáveis I: a estagnação da Europa

É muito comum vermos jornais de economia e business dizendo que, nos últimos 30 anos, a economia da Europa Ocidental Continental encontra-se estagnada em comparação com as economias dos países de língua inglesa, e que os culpados pela suposta estagnação seriam a exessiva regulação do mercado de trabalho, o Estado de Bem Estar Social generoso demais e o imposto de renda muito alto para os ricos. Os defensores desta visão costumam dizer que a Europa Ocidental Continental deveria fazer reformas inspiradas no mundo anglo-saxão para incentivar mais a competição e o trabalho.
Seria possível utilizar muitas linhas para dizer que há outros fatores que explicam o maior crescimento das economias de países de língua inglesa, principalmente dos EUA, em comparação com alguns países europeus continentais, e também seria possível facilmente argumentar que o diferencial de crescimento do produto não implica diferencial de crescimento de qualidade de vida.
Mas para contrapor o argumento de que a Europa não pode manter o modelo do Estado Social e da economia social de mercado, há uma evidência ainda mais fácil de ser encontrada: o maior crescimento da economia do mundo anglo-saxão, principalmente dos EUA, não é tão relevante assim. Basta observar dados facilmente disponíveis.
A tabela a seguir mostra a relação entre o PIB per capita de cada um dos países que compuseram a União Européia em seu início e o PIB per capita dos EUA, em 1980 e em 2009. O gráfico mostra a evolução ano a ano desta relação para alguns países selecionados.
Lembrando que entre 1980 e 2009, o PIB per capita dos EUA cresceu aproximadamente 2% ao ano.

Relação PIB per capita do país obervado/PIB per capita dos EUA
Fonte: IMF World Economic Outlook Database

Evolução da relação PIB per capita do país selecionado/PIB per capita dos EUA

Fonte: IMF World Economic Outlook Database

É possível observar pela tabela que o aumento da distância com o PIB per capita dos EUA(chamado de falling-behind) é um fenômeno restrito aos três grandes países da Europa Ocidental Continental: Alemanha, França e Itália. E mesmo na Alemanha, cuja relação caiu apenas sete pontos percentuais em três décadas, o falling-behind não é tão acentuado. Sete pontos podem ser revertidos em muito menos do que trinta anos e já estavam sendo revertidos, lentamente, entre 2006 e 2008. Porém a Alemanha foi muito mais duramente atingida pela crise do que os EUA (ver gráfico). E isto não tem a ver com o seguro-desemprego ou o maior gasto social, até porque o crescimento do desemprego nos EUA foi maior. A economia da Alemanha caiu mais que a dos Estados Unidos, porque é mais manufatureira e portanto, mais exposta ao comércio internacional.
Se forem observados os pequenos países europeus continentais, verifica-se uma quase estável relação, nas últimas três décadas, entre o PIB per capita local e o PIB per capita dos EUA.
O gráfico mostra que, tirando a Itália, não há uma tendência de longo prazo irreversível de falling-behind. O distanciamento entre o PIB per capita da França e da Alemanha em relação ao dos EUA foi um acontecimento praticamente restrito todo ele aos anos 90. Na década de 1980 e de 2000, os crescimentos foram razoavelmente semelhantes.
Situação diferente ocorreu com a Áustria, a Holanda e os países escandinavos, que tiveram estagnação relativa somente na década de 1980 (tendo sido a Finlândia, além disso, atingida pelo fim da URSS). Nas décadas de 1990 e 2000, esses países tiveram desempenho até melhor que os EUA.
Portugal e Espanha tiveram ótimo desempenho econômico entre 1986 e 2000, tendo crescimento do PIB per capita bem superior ao dos EUA no período mencionado.
O Reino Unido é um integrante (e fundador) do mundo anglo-saxão e seu bom desempenho econômico nas últimas três décadas poderia ser visto como prova de sucesso do modelo anglo-saxão. Mas a verdade é que o Reino Unido não é um estado dos EUA. Seu modelo social e econômico é um intermediário entre o norte-americano e o europeu continental.
Agora vamos voltar um pouco à discussão mencionada no início do texto: a relação entre PIB per capita e qualidade de vida.
Alguém poderia contra-argumentar o que foi dito até então, dizendo que a tendência mais natural prevista pelas leis econômicas seria a de convergência entre o PIB per capita da Europa Ocidental e o dos EUA, que estava ocorrendo de 1950 a 1980, e que a estagnação na faixa dos 70 ou 80% ocorrida deste então seria prova de fraqueza do modelo europeu continental.
Mas a verdade é que a diferença entre o PIB per capita dos EUA e o da Europa Ocidental é em sua maior parte explicada pelo maior número de horas trabalhadas nos EUA: os norte-americanos começam a trabalhar mais cedo, trabalham mais horas por semana, têm férias mais curtas e se aposentam mais tarde. A diferença de produtividade por hora trabalhada do norte-americano e do europeu ocidental é bastante pequena. Ou seja, o PIB per capita superior dos EUA não implica qualidade de vida superior. Trata-se de uma escolha social entre consumo e lazer. Os norte americanos preferem ter mais consumo, os europeus ocidentais preferem ter mais lazer. Consumo e lazer são indicadores indispensáveis do nível de qualidade de vida. E o PIB só mede consumo.
Mesmo o economista Robert Gordon, que concorda com a tese de que o modelo social europeu inibe o crescimento econômico, mostra neste paper que grande parte do diferencial de PIB per capita do Atlântico Norte tem a ver com o número de horas trabalhadas. A diferença de produtividade da hora trabalhada, embora crescente desde 1995, tem importância menor.