sábado, 10 de outubro de 2015

Excesso de boatos sobre o Lula e o PT e partidarização da mídia criaram má vontade para perceber as verdades

Acho que todos, durante a infância, já ouviram a professora contando a fábula do mentiroso. Havia um menino que adorava pregar peça nos seus colegas. Sempre inventava histórias. Os outros eram enganados. Um dia, ele foi com seus colegas para um bosque, que tinha um rio. Ele pulou no rio e gritou falando que estava se afogando. Seus colegas pensaram que era mais uma de suas muitas mentiras e, por isso, não foram ajudar. Mas aquilo não era mentira. Ele estava se afogando mesmo. E morreu afogado.
Esta história não é estranha para eu e muitos outros que por muito tempo votamos no PT. Depois que foi descoberto em detalhes o escândalo da Petrobras, não há mais muito o que justificar. Como foi revelado que não apenas o PMDB e o PP, mas o próprio PT, receberam dinheiro da propina, a desculpa da governabilidade do tempo do mensalão, que já era ruim, foi pro saco. Não é mais possível dizer que "precisava formar uma maioria no Congresso para poder governar" porque seria estranho achar que PMDB e PP, para votar com o governo, exigiriam que o PT também ficasse com parte do dinheiro. O "sempre foi assim, todo mundo fez, é que agora está sendo mais investigado" perdeu o prazo de validade. Temos que nos revoltar mais quando o partido que um dia já foi nosso fez merda do que quando os outros fizeram. Além disso, o PT até 2002 tinha uma fama de partido honesto, na qual até quem não gostava deste partido acreditava. Natural que a revolta de parte da população com o PT seja maior, mesmo tendo outros partidos participado de escândalos de corrupção. E não é só isso. É verdade que logo depois que o mensalão foi revelado em 2005, Lula e o PT tiveram atitudes corretas. Delúbio foi afastado do partido. Lula demitiu os ministros envolvidos. O deputado Delcídio, do PT-MS, quando foi presidente da CPI dos Correios, não impediu os trabalhos. Porém, depois de 2010, o PT teve atitudes injustificáveis. Readmitiu Delúbio, não afastou os condenados pelo STF, continuou defendendo Vaccari. E o problema do PT não é só corrupção. Quem votava no PT dava muito valor à educação e saúde públicas. De 2002 para cá, a renda dos pobres melhorou, mas a educação e a saúde públicas continuaram deixando a desejar. E não adianta falar que isto é responsabilidade dos governos locais, porque se em todos os estados estes serviços são precários, isto é sinal de que o governo federal também não fez sua parte.
Mas o que fez tanta gente que por muito tempo votou no PT desconfiar tanto do discurso anti-PT? Porque muita boataria contra o PT foi espalhada na Internet, porque a forte partidarização da grande mídia gera desconfiança, porque tem muito mau caratismo escondido por trás do discurso anti-PT.
Em 2014, circulou na Internet que as urnas eletrônicas estavam viciadas, que Youssef havia sido envenenado na véspera do segundo turno, que Dilma tinha mandado derrubar o avião do Eduardo Campos. Em 2010, circulou na Internet que o PT iria censurar a imprensa, que José Dirceu teria algum cargo em um eventual governo Dilma, que o auxílio reclusão tinha sido inventado pelo governo Lula, que todas as famílias de presos recebiam auxílio reclusão. Também circulou na Internet que Dilma seria ateia e favorável à legalização do aborto, o que pode ser verdade, mas o que também revela quem são alguns dos ferrenhos opositores de Dilma. E que pena que ela não assume essas coisas. Seria tão bom se fosse verdade! Outro tema muito defendido pelos boateiros foi a suposta "ligação do PT com as Farc". A verdade é que as Farc já não fazem mais parte do Foro de São Paulo desde 2002. Também já se insinuou que pessoas importantes do PT teriam mandado matar o prefeito de Campinas, o Toninho, em 2001. Fato: a Polícia Civil de São Paulo, um estado que nunca foi governado pelo PT, matou todos os suspeitos logo depois do crime, e isto ajudou a melar a investigação. E mereceria um capítulo a parte todo o besteirol difundido sobre o Bolsa Família.
Estes boatos mencionados no parágrafo anterior não dependem da grande mídia. Há pessoas que difundem espontaneamente pela Internet. Não apenas aqueles que acreditam fazem isso, mas também aqueles que querem acreditar, que querem que os outros acreditem. Aliás, não dependem nem da Internet. Em 1989, quando ainda não havia uso residencial de Internet no Brasil, circulou o boato de que se Lula fosse eleito, ele obrigaria as famílias com casa a abrigar um morador de rua.
Além dos boateiros amadores, a mídia profissional também exerce o seu papel de fazer apenas quem já odeia o PT odiar mais ainda, mas fazer com que pessoas que já tiveram simpatia pelo PT, estão na dúvida, desconfiem do antipetismo. A partidarização é explícita. Como eu disse em um post anterior, não é a grande mídia que é a favor do PSDB, mas o PSDB que é a favor do partido da grande mídia. Quando na parte de editorial e na parte de opinião dos jornalões só se encontram opiniões semelhantes àquelas proferidas por lideranças do PSDB, é natural que se desconfie do conteúdo da parte de notícias destes jornais.
Um exemplo foi visto durante e logo após à campanha eleitoral, quando tanto colunistas de jornal, quanto políticos do PSDB reclamaram que a campanha do PT fazia o uso do "nós e eles". Trata-se de uma grande hipocrisia porque a campanha do PSDB também utiliza o "nós e eles". Dentre os muitos defeitos do PT, o "nós e eles" não faz parte, uma vez que o "nós e eles" é uma prática necessária na democracia. A repetição da crítica ao "nós e eles" nos jornais e nos programas do PSDB mostra o claro alinhamento partidário dos meios de comunicação. Outro evidência de claro alinhamento partidário ocorreu quando jornais e revistas mostraram indignação contra a campanha porca da Dilma contra Marina e Aécio, que foi porca mesmo, mas em 2010 esta indignação não apareceu quando Serra fez uma campanha porca contra Dilma, recorrendo até à ateufobia. Pelo menos, fora isso, em 2014, a grande mídia, com exceção das revistas semanais, não fez boca de urna para o candidato do PSDB igual fez em 2006 e em 2010. Talvez porque considerou que não fosse conveniente o Aécio ganhar, dadas as medidas que teriam que ser tomadas em 2015 por qualquer governo.
Em 2010, ficou muito evidente o lado que a grande mídia escolheu. Isto se viu na maneira através da qual foi abordado o dossiê que petistas tinham contra pessoas próximas do José Serra. Houve superexploração de apenas um dos lados da história: o de como o dossiê foi feito. E silêncio sobre o outro lado: o que tinha no dossiê. Foi alimentada paranoia do tipo "the big brother is watching you". Alguns colunistas tentaram insinuar que o governo estaria mandando a Receita Federal vazar os dados do imposto de renda das pessoas citadas no dossiê. Isto seria completamente desnecessário, porque seria perfeitamente possível algum concursado da Receita ter vazado. Como o povo não é bobo, durante o período em que o assunto dossiê dominou a mídia, a intenção de voto de José Serra oscilou para baixo, e não para cima. Sinal de que pessoas comuns já estavam percebendo que algo havia de estranho. No ano seguinte, foi revelado que o então ministro da Casa Civil Antônio Palocci tinha uma fortuna não explicada. Essa revelação foi feita coincidentemente logo depois do prazo de entrega das declarações do Imposto de Renda. E ninguém da grande mídia manifestou desconfiança sobre possível vazamento.
Toda a campanha olavística pró-Serra na Internet e na imprensa em 2010 encobriu uma coisa que eu inclusive não percebi naquele tempo: Dilma Rousseff era inexperiente na política, sua capacidade de liderança era fraca, como foi demonstrado posteriormente, e José Serra, com sua biografia, sua passagem pelo Ministério da Saúde, e se não fosse a forte guinada para a direita que deu quando foi prefeito e governador e principalmente quando foi candidato a presidente, poderia perfeitamente ser um bom sucessor do Lula, mais continuador do que rompedor.
Uma prática canalha do antipetismo, presente principalmente na Veja, é considerar que todos os adversários do PT quando são acusados são vítimas de perseguição ou que só por ser adversário do PT, um político que fez coisa errada deve ser perdoado. A Veja, que elogiava o ex-senador DEMóstenes, já chegou a dizer na capa que a CPI do Cachoeira era cortina de fumaça para acobertar o julgamento do mensalão. A mesma revista também teve textos elogiosos ao Eduardo Cunha.
O caso do Daniel Dantas mostrou muito bem o jogo político da grande mídia, que conta ainda com aliados no meio político e no judiciário. Daniel Dantas provavelmente colocou dinheiro no mensalão do PT. Mas o banqueiro baiano começou sua carreira sendo muito próximo de Antônio Carlos Magalhães, do PFL, atual DEM. Foi favorecido na privatização das empresas de telefonia durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Sua irmã já teve empresa junto com a filha de José Serra. Coincidentemente, foi Gilmar Mendes, o ministro do STF indicado pelo FHC e que atua de forma partidária, que quis melar a operação da Política Federal contra Daniel Dantas. Colunistas pró PSDB demonizaram o delegado Protógenes e a Satiagraha. Tinha muitos defeitos na Satiagraha? Sim. Protógenes fez merda? Sim. Mas Daniel Dantas tem condições de pagar bons advogados. E juristas são melhores para fazer críticas a Satiagraha do que colunistas partidários. Principalmente quando estes colunistas são simpatizantes aos partidos dos quais Dantas era mais próximo. O comportamento da grande mídia, naquele momento, foi atípico. O costume foi sempre o de se posicionar do lado do acusador, de tratar delegados como heróis e políticos como safados. Este costume foi quebrado na Satiagraha. Paralelo pode ser feito com alguns blogueiros petistas, que antes de 2012 nunca tinham escrito sobre Direito Penal, e depois da AP 470, passaram a ser os maiores especialistas no assunto.
O dois pesos duas medidas da grande mídia é muito marcante. Quando Fernando Henrique Cardoso colocou dois aliados políticos no STF como Nelson Jobim e Gilmar Mendes, isto passou batido. Quando Lula fazia isso...
Dois acontecimentos próximos um do outro em 2007 mostram como uma mentira pode desacreditar uma verdade. Em julho daquele ano, um Airbus da TAM não conseguiu frear na pista de Congonhas, bateu em um prédio, e morreram todos os passageiros e mais algumas pessoas da rua. As televisões, os jornais e as revistas imediatamente falaram que o acidente ocorreu porque a pista estava escorregadia. Desta forma, essa possível culpar a Infraero, e por extensão, o governo Lula. Depois, verificou-se que não foi a pista escorregadia que causou o acidente. Poucos dias depois do acidente, boxeadores cubanos do Pan sumiram por um tempo, passaram pela delegacia, e depois voltaram para Cuba. Foi insinuado que eles teriam sido deportados. No momento, eu pensei que fosse mais uma mentira. Mas parece que eles foram deportados mesmo.
E por fim, mais um motivo que faz algumas pessoas que por muito tempo se simpatizaram com o PT terem desconfiança com o antipetismo. Nem todos os que odeiam o PT são elitistas, racistas, machistas e homofóbicos. Principalmente agora, quando há muitos motivos justos para odiar o PT. Mas mesmo antes de 2002, também havia pessoas boas que odiavam o PT. Agora, é fato que todos os que são elitistas, racistas, machistas e homofóbicos odeiam e sempre odiaram o PT. E a rejeição ao PT virou pretexto para colunistas/comediantes mau caráter ganharem aplausos de elitistas, racistas, machistas e homofóbicos.
E antes de terminar, eu apresentei um lado neste texto, mas o outro também é válido. É possível, como argumentei até aqui, que mau caratismos que se aproveitam do antipetismo façam algumas pessoas a desconfiarem do discurso anti-PT mesmo quando este discurso é justo. Por outro lado, as tantas merdas que o PT fez pode ter feito com que outras pessoas tenham dificuldade de perceber que tem muito pilantra se aproveitando do discurso anti-PT.

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